O primeiro passo para entrar no mundo dos bombeiros aconteceu ainda durante o ensino secundário, graças a um curso de socorrismo. Fez parte da primeira recruta mista do Corpo de bombeiros a que pertencia, em meados dos anos 90, numa altura em que as mulheres começavam também a vestir a farda. A Coordenadora da Área Técnica Comportamental da Escola Nacional de bombeiros (ENB) faz questão de sublinhar que a diferença de género não implica distinção no desempenho desta nobre atividade. Raquel Pinheiro, depois de se licenciar em Psicologia Clínica, entrou para a ENB com o objetivo de não só desenvolver a sua atividade profissional, com também poder ajudar quem ajuda de forma tão abnegada.
Como se tornou bombeira e porquê?
No seguimento da realização de um curso de socorrismo ministrado pela Cruz Vermelha Portuguesa durante o ensino secundário, percebi que era uma área que gostaria de aprofundar. Foi nos bombeiros que dei continuidade ao trabalho na área pré-hospitalar, de entre outras áreas que pude aprofundar. Cedo percebi que os bombeiros são uma escola da vida e para a vida.
É uma profissão maioritariamente exercida por homens. Como tem sido a sua experiência ao longo destes anos?
Inicialmente foi bastante desafiante pois não existiam mulheres no corpo ativo dos bombeiros da minha localidade. A primeira recruta mista, da qual tive o privilégio de fazer parte, aconteceu após um grupo de mulheres com familiares já ligados aos bombeiros, conseguirem convencer a direção e o comando. Esta situação veio a revelar-se muito profícua no dinamismo do trabalho em equipa. Atualmente, a incorporação de elementos do género feminino é uma realidade na grande maioria dos corpos de bombeiros. Acredito que os homens e as mulheres, embora possuam particularidades óbvias, conseguem desempenhar de forma exemplar o seu papel nos bombeiros de acordo com as suas competências e aptidões, sendo que a diferença de género não implica distinção no desempenho desta nobre atividade.
Como se cruzou a ENB no seu percurso profissional?
Quando estava a terminar a minha licenciatura em psicologia clínica solicitei o apoio da ENB no sentido de recolher a amostra necessária para a realização da monografia. Foi extremamente gratificante, uma vez que a resposta foi muito positiva e esse trabalho foi recebido com grande entusiasmo e apoio de todos. Nesse seguimento, depois de terminar a defesa da minha tese, recebi uma proposta de trabalho por parte da ENB, que não hesitei em aceitar, pois a oportunidade de aliar a minha área de formação à experiência nos bombeiros era algo que já havia ponderado. Foi em prol dos bombeiros que optei pela minha formação em psicologia e foi sempre com esta população que pretendi desenvolver a minha atividade profissional, com o objetivo de poder ajudar quem ajuda de forma tão abnegada.
Depois tornou-se coordenadora da Área Técnica Comportamental. Quais são os principais desafios que se colocam nesta área?
A área técnica comportamental aplicada aos bombeiros, à semelhança da Psicologia, "possui um longo passado, mas uma história curta". Todas as entidades envolvidas no sector e inclusivamente os próprios bombeiros, sempre reconheceram a importância da área, contudo, apenas em 2010 foi criada esta área técnica de formação de forma a desenvolver e ministrar o módulo de “Liderança e Motivação Humana” que, foi nessa data, incluído no percurso formativo de promoção do bombeiro. Decorrente desta formação outras foram desenvolvidas. A título de exemplo, no projeto “Bombeiros do Séc. XXI”, decorrente da avaliação de necessidades formativas realizada, esta área revelou ser aquela onde existiam mais lacunas formativas, e várias ações foram criadas e ministradas nos vários corpos de bombeiros de norte a sul do país. No entanto, existe ainda um vazio desta temática nomeadamente logo no ingresso na carreira de bombeiro. Entre outros objetivos, a formação na área comportamental possibilita a preparação e melhoria contínua do futuro desempenho operacional dos bombeiros, permite a promoção de novas competências, o aumento da resiliência e aquisição de novas estratégias para lidar com situações cada vez mais exigentes. O seu intuito último visa que os bombeiros detenham cada vez mais conhecimento de si e do outro para servir cada vez melhor, sendo este um desafio que todos devemos assumir.
Ainda nesta área, a ENB colaborou com a Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC) na criação, implementação e coordenação das Equipas de Apoio Psicossocial (em pleno funcionamento desde 2012) e com a Liga dos bombeiros Portugueses (LBP) no desenvolvimento do Gabinete de Apoio Psicológico ao Bombeiro (atualmente extinto). Ambos os projetos foram muito desafiantes de implementar tendo produzido excelentes resultados e abrangendo um vasto número de operacionais, contudo, existe ainda um longo trabalho no sentido de profissionalizar e tornar essencial esta valência tão necessária e importante para a promoção da saúde e bem-estar desta população.
Os bombeiros estão bem preparados no que respeita à área comportamental?
Como em todas as áreas, é necessário garantir uma formação contínua, treinos específicos e regulares de acordo com as necessidades sentidas a nível individual ou local, assim como as coletivas. Os bombeiros estão cada vez mais despertos e recetivos para esta área, e já existem alguns psicólogos em Corpos de bombeiros que têm vindo a desenvolver um excelente trabalho, mas deveria existir ainda mais abertura para esta área concreta, tendo em conta as necessidades permanentes e as vicissitudes existentes.
Tem algum passatempo durante os tempos livres?
Sempre que tenho tempo livre preencho-o com viagens, caminhadas, leituras e convívios com família e amigos. Atualmente encontro-me no quadro de reserva nos bombeiros, mas tenho muita vontade de regressar ao ativo.
Como vê o futuro dos bombeiros em Portugal?
Na minha opinião, o futuro dos bombeiros terá de passar pelo contínuo incremento da sua formação e especialização sem descurar a necessidade de uma cada vez maior profissionalização, sendo determinante a manutenção e restruturação do papel do voluntariado neste setor.
Conselhos e recomendações
Os bombeiros exercem a sua atividade operacional em cenários com elevados níveis de exigência física e emocional e, como tal, é fundamental a promoção da sua saúde antes, durante e após as missões. Assim, segundo a Coordenadora da Área Técnica Comportamental da ENB, Raquel Pinheiro, devemos ter sempre em atenção os seguintes cuidados:
• Ter em conta que a primeira vida a proteger é a sua e como tal deve utilizar os equipamentos de proteção individual ao seu dispor e colocar em prática as regras de segurança aprendidas na formação;
• Praticar atividade física regular de forma a promover a força e resistência necessárias a qualquer missão;
• Realizar uma alimentação equilibrada e uma hidratação adequada, ajustando às necessidades individuais e situacionais, garantindo o melhor rendimento físico e mental;
• Realizar períodos de descanso regulares de forma a garantir um bom funcionamento cognitivo;
• Gerir os períodos de maior stresse de forma positiva, quer com o apoio de colegas, amigos e/ou familiares, ou recorrendo a profissionais das EAPS;
• Manter a vigilância médica regular, contribuindo para a prevenção de doenças.
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