Foi em Sátão que se ligou aos Bombeiros Voluntários da localidade, como suplente da Direção. No entanto, com o passar do tempo, a parte operacional falou mais alto e tornou-se bombeiro. Hoje, Tiago Marinho, é formador da Escola Nacional de Bombeiros (ENB) desde 2007, logo após ter concluído a licenciatura. Depois de uma passagem pelo Centro de Formação de São João da Madeira, mudou-se para o Centro de Formação Especializado em Incêndios Florestais da Lousã. O seu objetivo foi sempre ministrar formação a bombeiros, nomeadamente na sua área de eleição, os incêndios rurais. Em 2017, concluiu o Mestrado em Recursos Florestais com especialização em Planeamento e Antecipação de Incêndios Rurais.
A entrada no mundo dos bombeiros aconteceu de que forma?
A minha entrada no seio dos bombeiros deu-se, como em muitos casos, por influência familiar, costumo dizer a brincar que praticamente nasci nos bombeiros. Os Bombeiros do Sátão são fundados em 1977 e eu nasço em 1980, pelo que há praticamente uma relação umbilical. Lembro-me, desde muito miúdo de passar horas e horas nos bombeiros, a brincar nos veículos e de me sentar no interior destes e imitar o som das sirenes. Eram tempos felizes, num pequeno barracão que servia de parque de viaturas, um espaço exíguo, com poucas condições, mas sempre com um espírito muito positivo. Depois veio a inauguração das novas instalações e as condições melhoraram significativamente. Assim, era perfeitamente normal que os bombeiros fossem mais do que uma opção, fossem vistos como uma vocação. Todavia, a entrada não se dá logo pela parte operacional. Inicialmente, ingressei pela parte associativa, como suplente da direção, mas com o passar do tempo, a parte operacional foi falando mais alto e nos inícios dos anos 2000 ingressei como aspirante e fui progredindo, sendo que desde 2010, estou como Adjunto de Comando. Os bombeiros são o meu mundo, costumo de dizer que “Pode haver quem goste tanto de bombeiros como eu, mas mais do que eu, não há de certeza”.
Entretanto, a ENB passou a fazer parte do seu percurso profissional…
Sim, estou na ENB desde setembro de 2007. Assim que terminei a minha licenciatura, tal como aconteceu com muitas pessoas da minha geração, as opções profissionais eram algo limitadas, existia uma elevada taxa de desemprego. Assim tive um conjunto de outras atividades profissionais até entrar na ENB. Inicialmente estive no Centro de Formação de São João da Madeira, como assistente administrativo durante cerca de 6 meses. O objetivo inicial era trabalhar na educação e formação de adultos, nomeadamente nos antigos Centros de Novas Oportunidades que a ENB dispunha, pelo que a passagem para o CNO da Lousã foi um processo natural, dadas as minhas habilitações académicas. Inicialmente, ingressei como formador de Cidadania e Profissionalidade e Sociedade, Tecnologia e Comunicação e passado algum tempo, fiquei como Técnico Superior de Diagnóstico e Encaminhamento. No final de 2009 e até ao encerramento destes centros, pelo governo da altura, fui Coordenador desse mesmo centro. Todavia o objetivo sempre foi ministrar formação a bombeiros, nomeadamente na minha área de eleição, os incêndios rurais, pelo que, assim que surgiu a oportunidade passei para o Centro de Formação Especializado em Incêndios Florestais da Lousã, onde me encontro até hoje, orgulhosamente. E assim passaram quase 16 anos.
O que o levou a tornar-se formador?
Eu diria que foi quase um processo natural. A minha formação de base é na área do ensino, tendo concluído a minha licenciatura pedagógica já em 2005. Venho aliás de uma família de professores, pelo que dar aulas sempre foi um objetivo, ou se quisermos, uma herança familiar. À medida que ia trabalhando na ENB, a vontade de ser formador foi crescendo e foi sendo cada vez mais um objetivo, pois sentia-me com capacidade para isso. Não há nada mais nobre do que salvar vidas, do que ajudar o próximo quando este mais precisa, mas penso que também é de uma nobreza extraordinária formar quem salva. Assim, foi com naturalidade que me tornei formador. Dadas as várias áreas de trabalho dos bombeiros, a que me mais me fascinava e fascina é a área dos incêndios rurais. É uma área extremamente desafiante, com uma enorme atenção mediática, com uma evolução constante em termos de conteúdos e de investigação científica, o que nos leva a ter que estar permanentemente atualizados, o que é um desafio, mas é um desafio extremamente motivador e aliciante. Assim, tal como no primeiro dia é um orgulho e uma honra enorme ser formador da ENB e chamar à ENB a minha casa há quase 16 anos, sendo que a minha maior ambição é ser a cada dia que passa um formador melhor e mais completo pois, só assim, estou apto a formar melhor os formandos que encontramos.
Os incêndios rurais, devido à crise climática, são um problema cada vez maior em Portugal… Os bombeiros estão bem preparados para responder a essa realidade?
Eu diria que os incêndios rurais não são apenas um problema cada vez maior em Portugal, mas sim em várias latitudes, bastando estar atento às notícias que nos rodeiam. Se associarmos as alterações climáticas, ao aumento da carga de combustível, fruto de vários motivos que todos conhecemos, o problema tenderá a agravar-se. A tua questão é muito interessante, mas penso que temos que fazer mais algumas que estão relacionadas e que se interligam: Estamos numa nova era no que toca aos incêndios? Sim. Há novas, diferentes e maiores responsabilidades? Sim. Em alguns incêndios, temos que adaptar a forma com este é gerido? Sim. Somos capazes de o fazer e estamos preparados para isso? Claramente que sim.
Aqui a formação desempenha um papel indispensável e vital em todo este processo e, na minha opinião, a formação na área dos incêndios rurais tem evoluído bastante e de uma forma significativa, com novas UFCD e com permanentes atualizações das existentes. Não podemos parar, não nos podemos acomodar, temos que acompanhar os novos tempos, as novas realidades e temos que nos adaptar. Os incêndios hoje estão diferentes, mas os bombeiros estão mais e melhor preparados e estão plenamente capazes de responder e enfrentar esta nova realidade.
Tem algum passatempo durante os tempos livres?
Quanto a tempos livres, eles são poucos, pois a formação ocupa a maior parte do meu dia. No entanto, adoro estar com a minha filha, jogar futebol com ela, muito embora ela tenha um clube que não me agrada… Mas é sempre um momento muito especial passar tempo com ela. Gosto muito de passear em família e criar memórias. Gosto igualmente de caminhadas na natureza e gosto muito de andar de bicicleta, hábito que procuro fazer todos os dias do ano, sem exceção.
Como vê o futuro dos bombeiros em Portugal?
Essa não é uma questão fácil de responder. Nos últimos anos, principalmente na área dos incêndios rurais, assistimos sempre a críticas permanentes, a intenções de mudanças políticas que, pelo menos no campo das intenções, pretendem sempre mudar o papel dos bombeiros, entidade com mais de 600 anos de história e o principal agente de proteção civil. Aliás, se perguntarmos à população portuguesa em quem mais confia, duvido que a resposta não seja “bombeiros”. Somos um elemento indispensável e com uma proximidade junto da população difícil de igualar por outra qualquer entidade ou instituição. O nosso conhecimento, as nossas competências e valências têm que ser mais valorizadas. Isto não invalida que não haja coisas a melhorar e a mudar. Costumo dizer que “Os bombeiros serão aquilo que quiserem ser”, por isso penso que o futuro dos bombeiros depende deles Os incêndios rurais são ocorrências que nos têm trazido inúmeros acidentes fatais ou quase fatais ao longo dos anos. Se observarmos os dados disponibilizados pela ANEPC, desde o ano 2000, temos cerca de 51 vítimas mortais, entre bombeiros em contexto de incêndios rurais. Este é um número dramático e que não pode ser visto como normal, ou mesmo aceitável.
Obviamente que em todas as operações dos bombeiros o risco está presente, não o podemos eliminar, mas podemos sim, mitigá-lo. Existe constantemente uma “tensão” entre os objetivos que se pretendem atingir e as operações de supressão que têm que ser realizadas para os atingir. Esta necessidade pode levar a que se aumentem os riscos que temos correr para atingir estes objetivos, o que terá como consequência a diminuição das condições de segurança. Sendo que isto pode ser ainda mais complicado quando o comportamento dos incêndios é mais extremo. Tal como Marc Castellnou afirmou "A velha forma de combater os incêndios já acabou”. Temos que nos adaptar, temos que olhar, pensar, ler, interpretar o incêndio e só depois atuar. O reconhecimento, a avaliação dos incêndios não pode ser descurada, não pode ser entendida como uma perca de tempo, tem que ser efetivamente uma componente indispensável, para que possamos ser mais eficazes, mas também para garantirmos as condições de segurança. Temos que adotar e implementar os protocolos de segurança na nossa atuação, garantir que o protocolo de segurança LACES é implementado e atualizado, sempre que necessário.
Muito embora se compreenda o que se pretende dizer, temos que tirar do nosso léxico expressões como “Podemos não voltar, mas vamos”. Este tipo de expressões não faz sentido. Temos que as substituir por “Independentemente de para onde formos, voltamos todos” ou então, “Vamos, avaliamos, ponderamos, trabalhamos e voltamos todos”, isso será sempre o mais importante no final do dia.
Os incêndios rurais são ocorrências que nos têm trazido inúmeros acidentes fatais ou quase fatais ao longo dos anos, refere o formador Tiago Marinho. Se observarmos os dados disponibilizados pela ANEPC, desde o ano 2000, temos cerca de 51 vítimas mortais, entre bombeiros em contexto de incêndios rurais. Este é um número dramático e que não pode ser visto como normal, ou mesmo aceitável.
Obviamente que em todas as operações dos bombeiros o risco está presente, não o podemos eliminar, mas podemos sim, mitigá-lo. Existe constantemente uma “tensão” entre os objetivos que se pretendem atingir e as operações de supressão que têm que ser realizadas para os atingir. Esta necessidade pode levar a que se aumentem os riscos que temos correr para atingir estes objetivos, o que terá como consequência a diminuição das condições de segurança. Sendo que isto pode ser ainda mais complicado quando o comportamento dos incêndios é mais extremo. Tal como Marc Castellnou afirmou "A velha forma de combater os incêndios já acabou”. Temos que nos adaptar, temos que olhar, pensar, ler, interpretar o incêndio e só depois atuar. O reconhecimento, a avaliação dos incêndios não pode ser descurada, não pode ser entendida como uma perca de tempo, tem que ser efetivamente uma componente indispensável, para que possamos ser mais eficazes, mas também para garantirmos as condições de segurança. Temos que adotar e implementar os protocolos de segurança na nossa atuação, garantir que o protocolo de segurança LACES é implementado e atualizado, sempre que necessário.
Muito embora se compreenda o que se pretende dizer, temos que tirar do nosso léxico expressões como “Podemos não voltar, mas vamos”. Este tipo de expressões não faz sentido. Temos que as substituir por “Independentemente de para onde formos, voltamos todos” ou então, “Vamos, avaliamos, ponderamos, trabalhamos e voltamos todos”, isso será sempre o mais importante no final do dia.