Após um primeiro contacto com a realidade dos bombeiros, graças ao entusiasmo de uma amiga, aos 17 anos de idade, Sónia Moutinho nunca mais se afastou. Quando fez a escola para bombeira, ficou em primeiro lugar na classificação sumativa e contínua da escola. Nasceu em 1977 no Porto, vive em Vila Nova de Gaia, e licenciou-se em Bilogia em 2001 na Universidade do Porto. É formadora da Escola Nacional de Bombeiros (ENB), no Centro de Formação de São João da Madeira, desde 2009. Durante esta entrevista, em que recorda o seu percurso pessoal e profissional, deixa ainda alguns conselhos relativos à segurança na área dos incêndios urbanos.
Como descobriu que queria ser bombeira?
Não descobri, fui convidada! Até aos meus 17 anos nunca tinha tido contacto com a realidade dos bombeiros, não tinha familiares nem amigos bombeiros. Nas férias de Verão, encontrei uma colega que estava nos bombeiros e entusiasmou-me para também entrar. Após alguma resistência por parte dos meus pais, ingressei nos bombeiros e então descobri que realmente gostava do serviço e do ambiente dos bombeiros. Foi tão boa a experiência que estive no ativo mais de 20 anos e “contagiei” o meu irmão para também entrar nos bombeiros!
A profissão de bombeiro é maioritariamente exercida por homens. Como tem sido a sua experiência ao longo destes anos?
Fiz escola para bombeira em 1996/1997. Eramos cinco mulheres e foi a primeira vez que as mulheres fizeram todas as manobras, tal como os homens. Fiquei em primeiro lugar na escola, o que causou grande desconforto para muitos homens.
Durante os primeiros anos como bombeira sofri muita discriminação e lutei muito para obter ou exigir a igualdade. A primeira noite que eu e as restantes mulheres passámos nos bombeiros foi justificada pelo pedido de reforço de elementos para a passagem de ano de 1999 para 2000, que se antevia uma noite “complexa”! Todo o corpo feminino da época voluntariou-se. Mesmo assim, teve de haver reunião com o Comandante para que a nossa disponibilidade fosse aceite. Quando foi proposto integrarmos os piquetes noturnos, alguns elementos masculinos disseram que “quando as mulheres lá ficassem, eles iriam dormir a casa”.
Com o passar dos anos, a aceitação das mulheres foi sendo conquistada. Já há vários anos que praticamente não se nota diferenças. Pelo contrário, nos serviços, os homens acabam por serem muito protetores em relação às mulheres.
Hoje em dia, revolta-me algumas atitudes das mulheres bombeiras. Agora que conquistámos a igualdade de género, algumas mulheres querem diferenciarem-se: criam grupos, encontros, seminários só para as “mulheres bombeiras”; usam equipamentos diferente (cor-de-rosa), publicam fotos de EPI com sapatos de salto alto, brincos… Para mim isso é um desrespeito pela luta que eu e outras bombeiras fizemos no passado para obter a igualdade e pelos bombeiros portugueses que atualmente respeitam as mulheres como bombeiras.
Também sou mulher, esposa e mãe. Porém, quando envergo a farda de bombeiros, não estou a pensar em vanglórias, estou disponível a 100% para o serviço dos bombeiros e para trabalhar quer com os homens, quer com as mulheres para o objetivo comum: ajudar os outros.
Após frequentar algumas formações internacionais, percebi que a igualdade de género noutro países, mesmo europeus, está muito aquém da nossa realidade. Por isso peço às atuais bombeiras para serem gratas e lembrarem-se que juntos (homens e mulheres) somos mais fortes.
Entretanto, decidiu tornar-se formadora. Porquê?
Ainda estava a terminar a minha escola para bombeira quando o instrutor responsável me convidou para dar “instrução” na escola seguinte. E assim foi, acompanhei e ministrei muita instrução nas escolas de aspirantes/recrutas.
Entretanto, tirei o curso superior que me deu equivalência ao CAP de formadora, pois sou licenciada com estágio pedagógico no ensino. Porém, devido à instabilidade dos professores, resolvi tirar também a pós-graduação em Higiene e Segurança no Trabalho e durante mais de oito anos trabalhei e ministrei muita formação externa nessa área.
Em 2009, surgiu o concurso para a formador(a) interno(a) na ENB que foi divulgado nos Corpos dos Bombeiros da área. Por sugestão do Comando, concorri e resolvi aceitar o desafio para garantir maior estabilidade. O que realmente aconteceu, pois já vou fazer 15 anos de serviço. A minha permanência na ENB muito se deve à camaradagem dos excelentes profissionais que existem em São João da Madeira, com os quais muito aprendi e muito lhes agradeço a amizade e camaradagem.
Quais os principais desafios que se colocam aos bombeiros portugueses na área dos incêndios urbanos?
Existem vários, mas vou salientar dois que considero mais pertinentes. Em primeiro, a mudança no tipo de edificado. Quer os materiais cada vez mais diversos, por vezes difícil perceber a sua reação ao fogo, quer as fachadas que por vezes são quase inacessíveis aos meios de socorro para um salvamento pela fachada, por exemplo. Em segundo, a dificuldade de treinarem com fogo real. As infraestruturas para criar estes cenários nem sempre existem ou estão disponíveis por questões económicas, políticas ou até ambientais. Sem o treino, a atuação do bombeiro fica comprometida na eficácia, mas principalmente na segurança.
Tem algum passatempo durante os tempos livres?
Sim, gosto muito da Natureza, sou da área de Biologia. Gosto muito de caminhar na Natureza, recolher minerais e pedras, dos quais faço coleção. Também gosto muito de cuidar das plantas e do jardim.
Como vê o futuro dos bombeiros em Portugal?
Na minha opinião, a atual organização dos bombeiros em Portugal não conseguirá manter-se sem uma grande restruturação. A profissionalização de elementos é crucial, porém o voluntário não pode terminar.
A disponibilidade de elementos para o voluntariado e mesmo de candidatos para os profissionais é cada vez mais escassa. Urge definir uma carreira para os bombeiros com condições atrativas, quer para os voluntários, quer para os profissionais. Além disso, deveriam ser garantidos benefícios sociais (que alguns municípios já implementaram) quer para os atuais bombeiros, mas também para aqueles que no passado também contribuíram para o “ajudar os outros”. Penso que só assim se conseguirá colmatar a atual lacuna de efetivos.
Quem não se salva, não salva, refere a formadora Sónia Moutinho. Por isso, antes de agir, é preciso parar para pensar, pois a pressa é inimiga da segurança.
Na gestão de operações, o COS deve definir a estratégia tendo em conta os riscos para os bombeiros e também pensar em ações que minimizem esses riscos: implementação do CAE (Controlo de Arica e Equipamentos), da linha de apoio e da linha de emergência.
Na manobra, o bombeiro deve colocar todo o EPI de forma correta e depois verificar e ser verificado pelo colega de equipa antes de iniciar o trabalho. Pedir ajuda quando necessário, não é sinal de fraqueza, pelo contrário, conclui Sónia Moutinho.